Uma reabilitação de Martinho Lutero?
Tendo em vista que precisava reforçar alguns pontos no artigo, torno a publicá-lo novamente, sem medo algum ou receio. O fato do artigo ter saído do ar uns dias para muitos pode ter parecido que quis retirar aquilo que disse. Jamais! Tenho comigo as palavras de Santo Agostinho que dizia: “Prefiro errar com a Igreja a acertar sozinho”.
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A 21ª Viagem Apostólica de Sua Santidade Bento XVI é à Alemanha (a terceira neste país). Este é um momento propício para a renovação da fé daquele povo, que tanto necessita de uma palavra de consolo e de um gesto de apoio e carinho do Papa naquela sociedade secularizada. As maiores confissões religiosas nesse país são o Luteranismo e o Catolicismo, respectivamente, com 32,9% e 32,3% de fiéis. 67% (54.765.265) da população é cristã.
Em um dos atos públicos da sua viagem ressalta-se o encontro inter-religioso com os membros da confissão luterana e com os representantes das igrejas evangélicas na Alemanha. Esse grande passo dado pelo Santo Padre, neste âmbito, foi criticado por alguns católicos que disseram que ele teria reabilitado Lutero; e ouve gente que até mesmo fez chacota afirmando: “São Lutero, rogai por nós!”. Essa mesma conversa já havia saído em 2008.
O grande problema não é o encontro que o Sumo Pontífice, felizmente reinante, promoveu, mas a má interpretação dele, sobretudo por alguns membros da Igreja e pela mídia. E o que dizer, quando até mesmo nos Seminários vemos pessoas que se opõem às decisões do Papa? São estes os sacerdotes que colocamos para o povo de Deus? E como depois queremos cobrar do povo aquilo que nós não oferecemos a eles?
Com este artigo não quero criar inimizade com os tradicionais, a quem muito admiro (e inclusive sou tradicional!), ou com os sedevacantistas, ou protestantes. Apenas desejo demonstrar de forma clara que as afirmações do Sumo Pontífice não reabilitam a Lutero.
Vamos, porém, ao que disse o Santo Padre:
“«Como posso ter um Deus misericordioso?» O facto que esta pergunta tenha sido a força motriz de todo o seu caminho, não cessa de maravilhar o meu coração. Com efeito, hoje quem se preocupa ainda com isto, mesmo entre os cristãos? Que significa a questão de Deus na nossa vida, no nosso anúncio? Hoje a maioria das pessoas, mesmo cristãs, dá por suposto que Deus, em última análise, não se interessa dos nossos pecados e das nossas virtudes. Ele bem sabe que todos nós não passamos de carne. Se se acredita ainda num além e num juízo de Deus, praticamente quase todos pressupõem que Deus terá de ser generoso e, no fim de contas, na sua misericórdia ignorar as nossas pequenas faltas. A questão já não nos preocupa. Mas, verdadeiramente são assim pequenas as nossas faltas? Porventura não está o mundo a ser devastado pela corrupção dos grandes, mas também dos pequenos, que pensam apenas na própria vantagem? Porventura não é ele devastado por causa do poder da droga, que vive, por um lado, da ambição de vida e de dinheiro e, por outro, da avidez de prazer das pessoas que a ela se abandonam? Não está ele porventura ameaçado por uma crescente predisposição à violência que não raro se dissimula sob a aparência de religiosidade? Poderiam a fome e a pobreza devastar assim regiões inteiras do mundo, se estivesse mais vivo em nós o amor de Deus e, derivado dele, o amor ao próximo, às criaturas de Deus que são os homens? E poderiam continuar as perguntas nesta linha. Não, o mal não é uma ridicularia. Mas não seria forte, se verdadeiramente colocássemos Deus no centro da nossa vida. Esta pergunta que desinquietava Lutero – Qual é a posição de Deus a meu respeito, como apareço a seus olhos? – deve tornar-se de novo, certamente numa forma diversa, também a nossa pergunta, não acadêmica mas concreta. Penso que este constitui o primeiro apelo que deveremos escutar no encontro com Martinho Lutero” (Discurso aos representantes do Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha).
Belíssimas palavras do nosso Papa! Quanta sabedoria! Quanta prudência! E neste texto quem seguramente poderá me afirmar que o Papa teria reabilitado Lutero? A única coisa que ele cita como esplêndido na vida do subversor é a pergunta que norteou toda a sua vida. E esta pergunta mesma foi colocada à margem da vida cristã. Elogiar uma pessoa por uma característica, não é elogiá-la pelo todo.
O que norteia-nos hoje? A mídia secularizada, nossos desejos, o excesso, do qual o filósofo Aristóteles bem falara, a relativização, a cultura de morte… Pecamos à vontade porque achamos que Deus perdoará todos os nossos pecados no dia do Juízo Final. Vivemos em constante estado de tibieza, fraquejamos na fé, apegamo-nos ao mundo e depois achamo-nos no direito de apontar os pecados dos outros. Quanta falta de fé! Anunciar a verdade do Evangelho, que é o próprio Cristo, significa transmitir puramente a Santa Doutrina, mas apenas transmitir e não julgar. “O dano para a Igreja não vem dos seus adversários, mas dos cristãos tíbios” (Papa Bento XVI, Homilia na Vigília com os jovens na Alemanha). Denunciar é uma coisa, julgar é outra bem diferente, e esta compete somente a Deus.
O Santo Padre, em seguida, formula várias perguntas, demonstrando se não seriam nossa culpa tantas desgraças que afligem a humanidade. Sabemos que Lutero era um apóstata, um libertino vulgar que se dizia “reformador” do Cristianismo e da Cristandade. Pode ele não ter querido (o que acho impossível!) a princípio ser este “reformador” e causar esta “desunião”, mas é sabido que ele, apesar de não ter querido, deu total continuidade a este desgraçado acontecimento. E o que aconteceu? A Igreja mudou? O Papado acabou? Não! Lutero morreu! A Igreja não acabou nem acabará!
“O pensamento de Lutero, a sua espiritualidade inteira era totalmente cristocêntrica. Para Lutero, o critério hermenêutico decisivo na interpretação da Sagrada Escritura era «aquilo que promove Cristo». Mas isto pressupõe que Cristo seja o centro da nossa espiritualidade e que o amor por Ele, o viver juntamente com Ele, oriente a nossa vida” (Discurso aos representantes do Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha).
Querendo ou não sabemos que a Teologia de Lutero era sim, de certa forma, Cristocêntrica, apesar de não ser Eclesiológica. O centro de todos os seus escritos foi Cristo, foram as Escrituras, independente do que viria a fazer e falar deles depois. E todos os teólogos com quem conversei foram unânimes em afirmá-lo. Agora, se existe alguém que pressupõe saber mais do que os teólogos, e do que o próprio Papa (a quem comparo com um Doutor da Igreja), então não venha disseminar suas ideologias aqui. Ademais, o fato de que os protestantes não estejam unidos ao Corpo eclesiológico não significa que não possam estarem unidos a sua alma. Poderíamos condenar todos os não-católicos ao inferno? E aqueles que tem reta intenção? E aqueles que vivem o Evangelho melhor do que nós? E os que, mesmo não sendo cristãos, procuram viver uma vida reta e sem hipocrisia? Como o próprio Papa dissera:
“«Os publicanos e as mulheres de má vida vão antes de vós para o Reino de Deus. João Baptista veio ao vosso encontro pelo caminho que leva à justiça, e não lhe destes crédito, mas os publicanos e as mulheres de má vida acreditaram nele. E vós, que bem o vistes, nem depois vos arrependestes, acreditando nele» (Mt 21, 31-32). Traduzida em linguagem de hoje, a frase poderia soar mais ou menos assim: agnósticos que, por causa da questão de Deus, não encontram paz e pessoas que sofrem por causa dos seus pecados e sentem desejo dum coração puro estão mais perto do Reino de Deus de quanto o estejam os fiéis rotineiros, que na Igreja já só conseguem ver o aparato sem que o seu coração seja tocado por isto: pela fé.
Assim, a palavra deve fazer-nos refletir seriamente; antes, deve abalar a todos nós. Isto, porém, não significa de modo algum que todos quantos vivem na Igreja e trabalham para ela se devam considerar distantes de Jesus e do Reino de Deus. Absolutamente, não!” (Homilia do Papa na santa Missa em Friburgo)
Sabemos que, pelas suas obras neste mundo, o seu destino ultimo pode não ter sido dos melhores.“Na hierarquia dos anjos rebeldes, ainda que cause pesar aos seus amigos, Lutero ocupa o grau mais baixo, mais próximo do lodo e do pântano” (Th. Mainage: Témoignages dês apostats. Paris 1916, p. 76). Por outro lado: se Cristo perdoou os maiores pecadores, aqueles que mereceriam as chamas eternas, que são os seus assassinos, como poderíamos afirmar que não perdoara também a Lutero? Então me direis: Mais aqueles não conheciam a Cristo, enquanto Lutero o conhecia. Eu responderia: E Cristo faz diferença em sua misericórdia? Acaso todos não são iguais ante seus olhos? Quem somos nós para restringir a misericórdia de Cristo? Quem somos nós para limitá-la e dizer quem deve ou não ser salvo? Não seremos nós, antes, condenados pela nossa falta de caridade? O Sagrado Concílio Vaticano II dirá:
São plenamente incorporados à sociedade que é a Igreja aqueles que, tendo o Espírito de Cristo, aceitam toda a sua organização e os meios de salvação nela instituídos, e que, pelos laços da profissão da fé, dós sacramentos, do governo eclesiástico e da comunhão, se unem, na sua estrutura visível, com Cristo, que a governa por meio do Sumo Pontífice e dos Bispos. Não se salva, porém, embora incorporado à Igreja, quem não persevera na caridade: permanecendo na Igreja pelo «corpo», não está nela com o coração. Lembrem-se, porém, todos os filhos da Igreja que a sua sublime condição não é devida aos méritos pessoais, mas sim à especial graça de Cristo; se a ela não corresponderem com os pensamentos, palavras e acções, bem longe de se salvarem, serão antes mais severamente julgados (Constituição DogmáticaLumen Gentium, 14).
O Concílio ainda afirma:
A Igreja vê-se ainda unida, por muitos títulos, com os batizados que têm o nome de cristãos, embora não professem integralmente a fé ou não guardem a unidade de comunhão com o sucessor de Pedro. Muitos há, com efeito, que têm e prezam a Sagrada Escritura como norma de fé e de vida, manifestam sincero zelo religioso, creem de coração em Deus Pai omnipotente e em Cristo, Filho de Deus Salvador, são marcados pelo Batismo que os une a Cristo e reconhecem e recebem mesmo outros sacramentos nas suas próprias igrejas ou comunidades eclesiásticas. Muitos de entre eles têm mesmo um episcopado, celebram a sagrada Eucaristia e cultivam a devoção para com a Virgem Mãe de Deus. Acrescenta-se a isto a comunhão de orações e outros bens espirituais; mais ainda, existe uma certa união verdadeira no Espírito Santo, o qual neles actua com os dons e graças do Seu poder santificador, chegando a fortalecer alguns deles até ao martírio. Deste modo, o Espírito suscita em todos os discípulos de Cristo o desejo e a prática efectiva em vista de que todos, segundo o modo estabelecido por Cristo, se unam pacificamente num só rebanho sob um só pastor. Para alcançar este fim, não deixa nossa mãe a Igreja de orar, esperar e agir, e exorta os seus filhos a que se purifiquem e renovem, para que o sinal de Cristo brilhe mais claramente no seu rosto (Idem, 45).
Na belíssima declaração Dominus Iesus, se diz:
Existe portanto uma única Igreja de Cristo, que subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele. As Igrejas que, embora não estando em perfeita comunhão com a Igreja Católica, se mantêm unidas a esta por vínculos estreitíssimos, como são a sucessão apostólica e uma válida Eucaristia, são verdadeiras Igrejas particulares. Por isso, também nestas Igrejas está presente e atua a Igreja de Cristo, embora lhes falte a plena comunhão com a Igreja católica, enquanto não aceitam a doutrina católica do Primado que, por vontade de Deus, o Bispo de Roma objetivamente tem e exerce sobre toda a Igreja.
As Comunidades eclesiais, invés, que não conservaram um válido episcopado e a genuína e íntegra substância do mistério eucarístico, não são Igrejas em sentido próprio. Os que, porém, foram baptizados nestas Comunidades estão pelo Batismo incorporados em Cristo e, portanto, vivem numa certa comunhão, se bem que imperfeita, com a Igreja. O Batismo, efetivamente, tende por si ao completo desenvolvimento da vida em Cristo, através da íntegra profissão de fé, da Eucaristia e da plena comunhão na Igreja (nº 17).
Agora a questão é: Se alguém não aceita o Sagrado Concílio Vaticano não é a mim que se opõe, mas a Doutrina da Igreja, unida ao Sucessor de São Pedro, o nosso Supremo Pastor Visível.
Lutero era sim hipócrita! Queria condenar a Igreja por “vender” indulgências, mas era assassino, comparável a estes miseráveis abortistas e a estes movimentos claramente contrários a dignidade da vida humana.Antes: era antissemita. Ele próprio escrevera: “A Alemanha deve ficar livre de judeus, aos quais após serem expulsos, devem ser despojados de todo dinheiro e joias, prata e ouro, e que fossem incendiadas suas sinagogas e escolas, suas casas derrubadas e destruídas (…), postos sob um telheiro ou estábulo como os ciganos (…), na miséria e no cativeiro assim que estes vermes venenosos se lamentassem de nós e se queixassem incessantemente a Deus” (“Sobre os judeus e suas mentiras“ de Martinho Lutero).
“É nossa a culpa em não matar eles.“, dizia Lutero a respeito dos judeus (Michael, Robert. “Luther, Luther Scholars, and the Jews,” Encounter, 46 (Autumn 1985) No.4:343).
Conhecendo a ideologia desta personagem, que é a prefiguração de Hitler, vocês achariam realmente que o Santo Padre tenderia a reabilitar Lutero? A única coisa que ele não poderia afirmar (como também nenhum de nós) é que Lutero esteja no inferno. Detesto Lutero, mais neste aspecto não poderia calar-me diante da afirmação de alguns, sobretudo da mídia, que, como sempre, tende a contrariar as afirmações do Santo Padre.
Em 2006 Sua Santidade Bento XVI tinha afirmado que: “A fé não é uma marcha triunfal, mas um caminho salpicado de sofrimentos e de amor” (Audiência Geral, 24 de maio de 2006). Quem critica o Papa deveria ter ao menos um pouco de Teologia para saber que a justificação pela fé, para Lutero, tornaria o homem impecável, e, portanto, seria um triunfante caminho em direção do céu. Com este ataque o Papa faz cair por terra a ideia de uma possível reabilitaçãode Lutero, que, tenho certeza disto, nunca virá a acontecer.
Portanto, tenhamos cautela em nossas colocações. Negar a Misericórdia de Deus é pecado gravíssimo. Rezemos pelos membros da confissão luterana, que tiveram a triste sorte de terem Lutero como fundador, e rezemos pelo nosso Papa. Que o Espírito Santo o ilumine e inspire sempre mais. Que ele continue sendo esta autêntica testemunha da Verdade, modelo para todos os cristãos. E que sempre nos lembremos das promessas de Cristo: “As portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16,16).
Viva o Santo Padre!!
Viva a Santa Igreja Católica!!
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